terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Solitude

Todos precisamos de vinte minutos
Que sejam ao menos vinte os minutos...
Minutos para dedicar à flor, minutos para ver.
Não olhar, mas ver, contemplar o sol nascer
E morrer.

Assim são as coisas todas em sua excelência
Nascimento e morte; a dualidade em imanência...
Neste universo dual, não há o bem e o mal
Existe o real e o irreal, o começo e o final.
É natural.

Precisamos nos resguardar, nos libertar...
Fugir sozinhos para procurar e encontrar.
A isolação! Esta nos guia até a compreensão.
Sozinhos somos nós: seres em profusão!
Oh, solidão!

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O Encontro


          Carlinhos fazia lama na areia de Copacabana com sua urina, ele segurava para não vomitar. Advogado dos maiores traficantes e contraventores do Rio de Janeiro ganhava muito dinheiro. Muita grana, pouca ética. 
            Depois de comemorar em um bar a conversão em cestas básicas a pena de quatro garotos que espancaram uma prostituta na Vieira Solto, ele havia acabado de transar com a mãe de um dos rapazes. Com 45 anos, dinheiro e status, Carlinhos Brandão levava para cama todas as mulheres que podia, para muitos essa era uma boa vida, não para ele. 
           Com vinte anos de profissão e uma vida acelerada desde a juventude, ele começava a sentir um vazio que não conseguia preencher, nem com dinheiro, nem com bebidas, nem drogas, quicá mulheres. Tentou uma religião, depois duas, três, nenhuma fazia realmente sentir-se vivo, então, ele começou a pensar sobre a alma. Fez uma conclusão: era um homem sem alma. Um desalmado. Carlinhos observou que estava ficando incapaz de amar alguém. Não tinha parentes próximos. Poucos amigos. E quando estava com mulheres tinha de fato a certeza de que era incapaz de sentir algo maior que mero instinto   sexual por elas.
Era por isso que ele não amava ninguém, não tinha alma, não tinha essência. Como é possível um homem não ter alma? Mas o que é alma? Ela de fato existe? Onde está a alma? Carlinhos resolveu procurar respostas para suas perguntas.
             O que é a alma? Ele aprendera, enquanto fora hindú, que as almas dos homens e de todas as coisas vinham de uma existência maior e Una, que com seu movimento espalhava a vida em todas as coisas que existem. Ele entendeu a alma como sendo a bateria que mantém em funcionamento um aparelho, bateria vinda de algo superior e incompreensível.
           Mas ela de fato existia? Ele quis testar. Precisava achar alguma evidência de que ela existe. Ouvira dizer que os olhos são a janela da alma. Passou a gastar longo tempo observando o seus próprios e os das demais pessoas. Os companheiros de trabalho no escritório achavam aquilo estranho, “Carlinhos não está normal”, eles diziam. Ele passou para os demais companheiros de escritório os últimos cinco casos para os quais fora designado. Ele nunca perdia a chance de defender algum poderoso da cidade e faturar grana alta, porém, agora o advogado almejava coisas além do dinheiro e do renome.
           Onde está a alma? O buscador de si agora se convencera de que para comprovar a existência da alma havia de localiza-la. O mundo fora já não o satisfazia, absolutamente nada o confortava. Ele queria saber o porquê disso tudo. Por que existe a humanidade e suas organizações? Por que existe esse mundo? Por que precisa trabalhar, ter dinheiro, ter fama? Isso ele já sabia, era coisa da sociedade, o modelo da sociedade em que vive é assim, são paradigmas. Mas suas perguntas eram para além disso. À essa altura, todos em sua volta o julgavam louco.  
          Imerso em sua sóbria loucura, Carlinhos caminhava como gostava de fazer pelas pedras do Arpoador  em um fim de tarde, fitando cada pedra, cada desvio e rachadura, era um olhar contemplativo. O pôr do sol se aproximava, ele então, resolveu admirar o horizonte. Percebeu que ainda levaria uns 5 ou 6 minutos para o divino espetáculo, decidiu sentar, posicionou-se como os antigos escribas costumavam sentar, fechou os olhos.

...
...
...
...

           Naquele fim de tarde Carlinhos percebeu que bastava olhar para dentro com sinceridade para sentir que todo o Universo sempre esteve dentro dele. Entendeu rapidamente que cada indivíduo tem um o momento de encontrar-se, mas que independente de quando seria esse encontro, era preciso continuar procurando e se questionando, o questionamento não deve parar mesmo ao encontrar-se com algumas respostas. Era preciso também conhecer sua natureza e entender-se, para obter respostas sobre si e sobre os homens todos, até a própria vida em si se tornava mais clara.

           Carlinhos havia encontrado sua Alma. 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Idade Média


           O cheiro daquele incenso me deixava ainda mais enjoado, acendi um cigarro para tragar a náusea junto com a fumaça.... e desse jeito fui convidado a me retirar, era proibido fumar no local, detesto lugares onde se pode acender incensos, mas não um cigarro. 
           Lá fora encontrei um sujeito que fedia a suor e cachaça, tudo corroborava para que eu vomitasse. Meu primo George organizava um casamento cigano na capela lá dentro, e do lado de fora um velho fedorento me encarava. Então, o velho resolveu falar enquanto tentava focalizar sua visão turva em mim, "Meu nome é Dante, nobre cavalheiro. Daria um cigarro para um também nobre cavalheiro andante?" De cara vi que era um mendigo bêbado e nesse caso é melhor se livrar da situação o mais rápido possível, porém, para minha surpresa e para o peculiar desta narrativa, ele pegou o cigarro que lhe dei, acendeu, e nos espaços entre as tragadas desenvolveu sua tese:

 
           "-Estamos, meu amigo, vivendo em plena Idade Média... e digo mais, esta é a segunda Idade Média da Era Cristã e que pode superar em ignorância e violência a anterior." O velho me pareceu eloquente e falava sem se atrapalhar, o que era contraditório, vista a barba ainda molhada e o cheiro da cachaça que impregnava aquela figura extremamente dantesca. Quis dar corda ao velho louco, queria ver até onde ele iria...

           "-Ora, não me diga, Dante! E você pode falar com propriedade, não é mesmo? Afinal, seria a segunda Idade Média que você presencia..."

           "-Não seja idiota, eu não sou Dante Alighiere! O que eu estou fazendo é apenas uma dissertação sobre a nossa sociedade atual, comparando com o que temos registrado na nossa História. Os erros sempre se repetem, basta olhar para as diversas sociedades."

           "-Ah, sim, queira me desculpar, sr.Dante. Prossiga com sua tese socio-histórica, por favor."

           "-Deus do Céu, você é mesmo um paspalho! O que eu estou fazendo de fato é um ensaio, um ensaio sobre a Idade Media."

    
          Nessa hora o velho começava a me encher a paciência, entretanto, o que ele desandou a falar me prendera embasbacado até o fim do papo.

         "-Observe como de forma sutil a religião começa a fazer parte da política em nosso país, e isso porque nosso estado é laico, mas veja... quantos deputados e senadores evangélicos nós temos?! Agora repare como eles agem baseados em uma certa moral, a moral cristã, a moral da família, porém, o que eles mais fazem é pregar uma segregação: os que serão salvos por Deus e os condenados, que são os não cristãos, homossexuais e etc. Esse tipo de pseudo moral é plantada sempre que um governo autoritário e ditatorial está emergindo ao poder. E não é só isso, a humanidade esta cercada de ignorância e desinformação, digo, em alguns casos os líderes no poder tentam censurar e esconder informações da massa, hoje, temos a internet e muitos novos meios que entopem as pessoas de informação, só que uma informação inútil. As pessoas estão cada vez mais violentas e acham que justiça está em devolver a violência com mais violência, linchamentos por motivos fúteis onde cada parte julga estar com a razão, mas se não há paz, não há razão."

         Olhei bem nos olhos do velho, aquelas palavra até faziam muito sentido, fiquei em silêncio por alguns segundos. Depois de digerir tudo aquilo, falei para o velho:

 
         "-Você é louco!"



         Dei as costas para ele e voltei para dentro da capela, já havia fumado meu cigarro e tinha o casamento do meu primo para terminar. Eu pensava nos drinks ciganos que serviriam mais tarde na festa...

Ano Novo


Vago sozinho observando a chuva
Vejo as luzes do Ano Novo que aproxima
Eu entro em uma rua sem curva
Dentro da minha mente, dentro da esquina.

Minha cabeça: uma prisão interior.
Ouço meus pensamentos circulares;
Mas não há angústia, nem temor
Só fantasmas das ações particulares.

A festa do Ano Novo não me agrada
Pessoas bebem, mentem e enfartam
São acúmulo da promessa não realizada.

Quantas honras! Quantas barcas!
Entretanto, antes de atirar ofertas ao mar
É preciso (sem demora!) aprender a nadar.