sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Idade Média


           O cheiro daquele incenso me deixava ainda mais enjoado, acendi um cigarro para tragar a náusea junto com a fumaça.... e desse jeito fui convidado a me retirar, era proibido fumar no local, detesto lugares onde se pode acender incensos, mas não um cigarro. 
           Lá fora encontrei um sujeito que fedia a suor e cachaça, tudo corroborava para que eu vomitasse. Meu primo George organizava um casamento cigano na capela lá dentro, e do lado de fora um velho fedorento me encarava. Então, o velho resolveu falar enquanto tentava focalizar sua visão turva em mim, "Meu nome é Dante, nobre cavalheiro. Daria um cigarro para um também nobre cavalheiro andante?" De cara vi que era um mendigo bêbado e nesse caso é melhor se livrar da situação o mais rápido possível, porém, para minha surpresa e para o peculiar desta narrativa, ele pegou o cigarro que lhe dei, acendeu, e nos espaços entre as tragadas desenvolveu sua tese:

 
           "-Estamos, meu amigo, vivendo em plena Idade Média... e digo mais, esta é a segunda Idade Média da Era Cristã e que pode superar em ignorância e violência a anterior." O velho me pareceu eloquente e falava sem se atrapalhar, o que era contraditório, vista a barba ainda molhada e o cheiro da cachaça que impregnava aquela figura extremamente dantesca. Quis dar corda ao velho louco, queria ver até onde ele iria...

           "-Ora, não me diga, Dante! E você pode falar com propriedade, não é mesmo? Afinal, seria a segunda Idade Média que você presencia..."

           "-Não seja idiota, eu não sou Dante Alighiere! O que eu estou fazendo é apenas uma dissertação sobre a nossa sociedade atual, comparando com o que temos registrado na nossa História. Os erros sempre se repetem, basta olhar para as diversas sociedades."

           "-Ah, sim, queira me desculpar, sr.Dante. Prossiga com sua tese socio-histórica, por favor."

           "-Deus do Céu, você é mesmo um paspalho! O que eu estou fazendo de fato é um ensaio, um ensaio sobre a Idade Media."

    
          Nessa hora o velho começava a me encher a paciência, entretanto, o que ele desandou a falar me prendera embasbacado até o fim do papo.

         "-Observe como de forma sutil a religião começa a fazer parte da política em nosso país, e isso porque nosso estado é laico, mas veja... quantos deputados e senadores evangélicos nós temos?! Agora repare como eles agem baseados em uma certa moral, a moral cristã, a moral da família, porém, o que eles mais fazem é pregar uma segregação: os que serão salvos por Deus e os condenados, que são os não cristãos, homossexuais e etc. Esse tipo de pseudo moral é plantada sempre que um governo autoritário e ditatorial está emergindo ao poder. E não é só isso, a humanidade esta cercada de ignorância e desinformação, digo, em alguns casos os líderes no poder tentam censurar e esconder informações da massa, hoje, temos a internet e muitos novos meios que entopem as pessoas de informação, só que uma informação inútil. As pessoas estão cada vez mais violentas e acham que justiça está em devolver a violência com mais violência, linchamentos por motivos fúteis onde cada parte julga estar com a razão, mas se não há paz, não há razão."

         Olhei bem nos olhos do velho, aquelas palavra até faziam muito sentido, fiquei em silêncio por alguns segundos. Depois de digerir tudo aquilo, falei para o velho:

 
         "-Você é louco!"



         Dei as costas para ele e voltei para dentro da capela, já havia fumado meu cigarro e tinha o casamento do meu primo para terminar. Eu pensava nos drinks ciganos que serviriam mais tarde na festa...

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